“Onda Nova”, O filme censurado nos anos sombrios da Ditadura
Sejamos muito imorais.
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Imagem Divulgação |
A ditadura militar no Brasil chegou ao fim em 1985, mas seu legado de repressão e violência continua presente na memória coletiva. O golpe de Estado de 31 de março a 1.º de abril de 1964 depôs o presidente João Goulart, encerrando a Quarta República (1946–1964) e dando início a um período sombrio de 21 anos de autoritarismo.
A história desse período todos nós aprendemos na escola:
censura aos meios de comunicação, perseguição e prisão de artistas, políticos,
intelectuais e professores. Um dos casos mais emblemáticos desse tempo é
retratado no filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, baseado no
livro de Marcelo Rubens Paiva. A obra narra a história de seu pai, o deputado
Rubens Paiva, que foi preso, torturado e morto pela ditadura. Seu corpo jamais
foi encontrado. Sua esposa, Eunice, mãe de Marcelo, lutou incansavelmente por justiça
e pelo reconhecimento dos direitos violados.
Hoje, vemos a extrema-direita se fortalecer, repetindo
ciclos históricos e evocando um passado absurdo, o que nos causa indignação e
uma sensação de impotência.
Em 1983, eu tinha apenas dez anos quando fiz minha estreia
no teatro em Santos, na peça "Capitães da Areia", uma adaptação do
clássico de Jorge Amado. Naquela época, qualquer espetáculo precisava passar
pela censura. O diretor ou diretora agendava uma apresentação exclusiva para um
censor, que assistia à peça munido do texto e de um bloco de notas, registrando
tudo atentamente. Ao final, ele decidia se a peça poderia ser encenada, às
vezes com cortes , restrições, ou a proibição de apresentar.
Foi nesse contexto que comecei minha trajetória como atriz.
Nesse mesmo ano, 1983, o filme "Onda Nova", um
longa-metragem dirigido por José Antonio Garcia e Ícaro Martins, estreou. O
filme abordava a vida de jovens garotas que fundaram o "Gaivotas Futebol
Clube", um time de futebol feminino. Classificado pelos próprios
realizadores como "uma colagem surrealista sobre a juventude
paulistana", era um filme à frente de seu tempo. Protagonizado por Carla
Camurati e Cristina Mutarelli, acompanhava a trajetória das jogadoras em um ano
crucial: 1983, quando o futebol feminino foi oficialmente regulamentado no
Brasil, após 40 anos de proibição.
A ousadia de "Onda Nova" não passou despercebida pelos censores da ditadura. O filme foi considerado "imoral" e "subversivo", sendo interditado logo após sua exibição na 7ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A censura silenciou a voz de um filme que celebrava a vida e a liberdade, mas não conseguiu apagar sua mensagem.
A censura classificou "Onda Nova" como imoral. O
motivo? O filme retratava jovens livres, sem medo de expressar seus desejos e
vivenciar suas experiências. Não era uma obra política no sentido clássico, mas
reafirmava o desejo como identidade e afirmação de vida. Mesmo no fim da
ditadura, sofreu uma censura severa, quase sendo apagado da memória
cinematográfica.
"Onda Nova" é um testemunho da resistência
cultural brasileira durante a ditadura militar. O filme desafiou os padrões
morais e sexistas da época, celebrando a diversidade e a liberdade de
expressão. Quase quatro décadas depois, "Onda Nova" ressurge
restaurado e remasterizado, pronto para ecoar sua mensagem de liberdade e
paixão para as novas gerações.
Enfim, "Onda Nova" ganha uma nova chance. O longa
foi restaurado e remasterizado, e, após ser exibido na Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo de 2024, finalmente chega ao circuito nacional.
A revitalização do filme foi um projeto complexo e ambicioso, que envolveu a recriação do trailer e do cartaz originais, ambos considerados perdidos. A artista gráfica Helena Garcia foi responsável por desenvolver uma nova identidade visual para o filme, que manteve a essência da obra original, mas com um toque contemporâneo.
A produção do novo trailer ficou a cargo de Marina Kosa, da
Tanto Produções, que trabalhou em estreita colaboração com a Cinemateca
Brasileira. A Cinemateca desempenhou um papel fundamental no projeto,
auxiliando na digitalização dos negativos originais do filme, garantindo a
qualidade da imagem e preservando a integridade da obra.
Além disso, o projeto contou com a colaboração de diversas
empresas e profissionais, incluindo a JLS, a Zumbi Post e a família do diretor,
que desempenhou um papel importante na preservação e divulgação do legado do
cineasta. O trabalho em conjunto de todas essas partes foi essencial para o
sucesso da revitalização do filme.
Diante disso, me pergunto: qual é o verdadeiro significado
da palavra "imoral"? Um filme que retrata desejos, desafios e ousadia
é considerado amoral, mas perseguir, prender, torturar e matar artistas,
intelectuais e políticos contrários à ditadura não? É um paradoxo que evidencia
como a humanidade insiste em repetir seus erros, sem evolução.
O filme "Onda Nova" foi considerado "imoral"
pela censura da ditadura militar brasileira devido à sua ousadia em retratar
temas considerados tabus na época, como:
Sexualidade, o filme aborda a sexualidade feminina de forma
explícita e libertária, desafiando os padrões morais conservadores da época.
Futebol feminino, a paixão pelo futebol feminino, retratada
no filme, era considerada "inadequada" para mulheres pela sociedade
da época.
Liberdade de expressão, o filme celebra a liberdade de
expressão e a diversidade, dando voz a personagens marginalizados pela
sociedade da época.
Contexto político, o filme foi lançado em um período de
forte repressão política no Brasil, e sua mensagem de liberdade e resistência
foi considerada subversiva pelo regime militar.
Em resumo, "Onda Nova" foi considerado "imoral"
por desafiar os padrões morais e sexistas da época, celebrando a diversidade e
a liberdade de expressão em um contexto de opressão.
"Onda Nova" é um filme atemporal que celebra a
vida, o desejo e a identidade. A obra nos convida a refletir sobre a
importância da liberdade de expressão e da luta por igualdade. O filme nos
lembra que a paixão pelo futebol feminino e a celebração da vida são atos de
resistência e liberdade.
"Onda Nova" é um marco na história do cinema
brasileiro por sua ousadia e relevância cultural e social. O filme celebra a
diversidade e a liberdade de expressão, dando voz a personagens marginalizados
pela sociedade da época. A paixão pelo futebol feminino, retratada no filme, é
um símbolo da luta por igualdade de gênero no esporte.
Fico feliz, que, enfim, possamos assistir a "Onda Nova". Um filme que sempre esteve a frente de seu tempo, Ditadura nunca mais! Censura nunca mais!
Confira o trailer:

Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário... |
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