White Lotus Temporada 3: Tudo Aconteceu, Mesmo Quando Nada Aconteceu
O charme continua, mas algo se perdeu no caminho.
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Imagem Reprodução |
White Lotus sempre prosperou nesse espaço estranho entre o absurdo e o dolorosamente real. Não é uma série onde as coisas acontecem de forma tradicional. É sobre o lento desmonte de pessoas, privilégios e emoções reprimidas — contra um cenário tão bonito que quase te desafia a desviar o olhar.
A terceira temporada não foge muito dessa fórmula. Mas, desta vez, pareceu dividida entre se manter fiel à própria identidade e ceder a algo um pouco mais fácil, um pouco mais limpo... e um pouco menos satisfatório.
Um Gênero Só Dela
Uma das coisas que tornaram White Lotus tão original — especialmente na primeira temporada — foi como ela se recusava a ser uma coisa só. Tinha a estrutura de um drama (episódios de uma hora, personagens complexos), mas o tom estava sempre mudando. Você ria em um momento e, de repente, era atingido por algo tão cru que doía no peito.
É drama, mas também é comédia. É suspense, mas também profundamente satírica. E nunca se compromete totalmente com nenhum desses gêneros — e é exatamente isso que faz funcionar.
Sim, sempre há um assassinato. Mas nunca é realmente sobre o assassinato. A tensão é emocional. Social. Psicológica. Vem de ver pessoas presas nas próprias contradições até que algo ceda. Esse sempre foi o charme — esse equilíbrio entre o absurdo e a devastação silenciosa.
Essa temporada ainda brinca com tudo isso, mas às vezes não parecia saber onde queria chegar. Ainda é algo que desafia os gêneros? Ou está lentamente virando aquilo que antes satirizava?
O Coração da Temporada: Uma Trama Silenciosa Que Disse Tudo
A história que mais me tocou foi a menos chamativa: os três amigos. Em uma temporada cheia de assassinatos, tensão sexual e crises de identidade, o arco deles foi como um momento de silêncio.
Sem revelações bombásticas. Sem traições escandalosas. Apenas três pessoas lidando com anos de história, ressentimento e um amor que nunca foi embora de verdade.
Foi tão real. Tão relacionável. Quem já esteve em uma amizade longa conhece bem essa mistura estranha de afeto e frustração silenciosa que não se explica. Você via as pessoas se afastarem, guardarem mágoas, se reaproximarem — não porque tudo estava resolvido, mas porque ainda havia algo ali que valia a pena manter.
Parecia que nada acontecia, e ao mesmo tempo… tudo acontecia.
O monólogo final da Laurie — entregue com uma honestidade brutal por Carrie Coon — selou isso pra mim. Não tentou ser poético. Não tentou consertar nada. Só disse a verdade. E isso me atingiu mais do que qualquer reviravolta. Pra mim, foi a trama mais forte da temporada. Aquela que realmente ficou comigo.
E às vezes, o que é mais relacionável é o que mais tensiona. Porque quando você se vê na tela, aquilo fica. Corta mais fundo.
Onde os Estereótipos Racharam
White Lotus sempre brincou com estereótipos — e depois os virava do avesso só o suficiente pra te deixar desconfortável. E parte disso ainda funcionou.
Victoria Ratliff (Parker Posey) estava hilária. Ridícula. Mas estranhamente pé no chão. A lógica dela não fazia sentido nenhum e todo o sentido ao mesmo tempo. Piper (Sarah Catherine Hook) não mudou — ela só mostrou quem realmente era, o que foi muito mais interessante.
Mas Saxon (Patrick Schwarzenegger)? Nah. Esse personagem não precisava de um arco de redenção. Ele foi feito pra ser um estereótipo raso e deveria ter permanecido assim. Toda aquela “quebra emocional” pareceu saída de outra série. Tipo… a gente não precisava daquilo.
E o Lochy (Sam Nivola) usando o liquidificador sem lavar antes? Ainda não superei.
Drama Demais, Profundidade de Menos
Alguns momentos pareceram forçados, como se os roteiristas estivessem buscando choque em vez de verdade emocional.
A “revelação do pai”? A morte da Chelsea (Aimee Lou Wood)? Pareceu que a série tentou amarrar tudo com um laço bonitinho. O desfecho da Chelsea, especialmente, pareceu uma oportunidade perdida. Havia tanto território emocional a ser explorado na relação dela com Rick (Walton Goggins). Mas em vez de mostrar a bagunça, recebemos um fim trágico e conveniente. Meh.
Os Funcionários Mereciam Mais
Uma das melhores partes das duas primeiras temporadas foi como a equipe do hotel fazia parte da narrativa. Armond e Valentina não eram só personagens secundários — eram parte do motor da história. Nesta temporada… nem tanto. Fabian (Christian Friedel) tinha potencial. Mas nunca ganhou a profundidade ou o caos dos gerentes anteriores. Talvez pudessem ter explorado mais as inseguranças dele ou dado algo real pra ele fazer.
Gaitok (Tayme Thapthimthong) e Mook (Lalisa Manobal)? Basicamente figurantes. A crítica à fama e ao desejo estava ali, mas nunca se concretizou. Dou um desconto pros russos — eles estavam ali pra servir outras tramas e cumpriram seu papel. Mas, no geral, foi uma chance desperdiçada.
Rostos Conhecidos, Escolhas Seguras
Trazer de volta Belinda (Natasha Rothwell) e Greg (Jon Gries) poderia ter dado um peso real. São personagens com bagagem emocional e histórias inacabadas. Mas em vez de aprofundar isso, a série preferiu jogar seguro. O retorno deles não pareceu uma continuação orgânica — foi puro fan service.
Não me entenda mal — a trama da Belinda foi boa. O arco sobre como as pessoas mudam por dinheiro, a relação com o filho Ponchai, toda a tensão entre amor materno e sobrevivência — funcionou. Tinha profundidade. Só fiquei pensando… precisava mesmo ser ela? Precisava ser alguém do passado?
Existe uma tendência crescente em TV e cinema: trazer alguém conhecido de volta e pronto — conexão instantânea. Mas essa conexão só funciona quando traz algo novo. White Lotus costumava desafiar esse impulso. Não se importava se a gente gostava do rumo — desde que dissesse algo. Agora? Está flertando com o conforto. Com a nostalgia. Com os aplausos fáceis.
Não é que Belinda e Greg não deveriam ter voltado — é que a presença deles deveria ter incomodado mais. Deveria ter nos feito pensar. Deveria ter espelhado algo. Em vez disso, pareceu só um aceno. Um “lembra deles?”. E aquele corte afiado — o que fazia White Lotus parecer ousada e provocante — começa a parecer... enfraquecido.
Considerações Finais
Mesmo com tudo isso, White Lotus — Temporada 3 — ainda funciona. Os temas estão ali. Os silêncios desconfortáveis. As verdades brutais. O desmonte humano, silencioso. Ainda sabe como te perturbar de forma sutil. Mas tem uma mudança acontecendo. Em direção a uma narrativa mais segura. A clichês. A finais que se fecham direitinho, em vez de pairarem no ar.
E pra uma série que construiu sua identidade em cima da tensão, do desconforto e da imprevisibilidade… isso parece um passo atrás.
Nota: 7.5/10
Uma temporada linda, assombrada, irregular — que precisava confiar mais no próprio desconforto.

Roteirista e diretora brasileira baseada em Los Angeles. Fundadora da CURADORIA Story Lab, desenvolve projetos autorais e colaborações, além de fomentar a comunidade de escritores. Além do cinema, compartilha conteúdos nas redes sociais sobre filmes, escrita e lifestyle em LA. |
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